sexta-feira, 15 de maio de 2009

Porcelain


Tamborilar de uma garoa fria na janela. Odor forte do café invadindo as narinas. Noite mau dormida de espectativa, corpo dolorido, torcicolo. Domingo é um dia maldito. Levantei-me cambaleante. Gosto amargo na boca. Olhos queimavam numa angustia de sono.
Eram dez horas. O céu estava encoberto por nuvens caliginosas. Ribombar dos trovões. Faz-se ouvir estrondo nas vidraças.
Incrivel como o cenario parecia desenhar-se especialmente para a ocasião. Criar toda uma ambietação lugubre de melancolia. Vestir-se de luto. Lufada de ar soporifero num final de tarde.
Passei pelos meus pais a mesa tomando seu desjejum. Dei um bom dia rouco numa pronuncia entre dentes. Passos arrastados até o chuveiro. As ideias todas ainda adormecidas.
Banho quente. Neurônios em ebulição sob a cabeleira longa e ressecada. Espessa nevoa embaça o espelho do armarinho. Masturbar-se. Desligar o chuveiro. Enxugar-se numa velha toalha felpuda e carcomida. Seguindo a mecânica do cotidiano.
Deposito os olhos no espelho coberto pela cortina de vapor. Com o indicador esquerdo rabisco nele um passaro caricato. Eu mesmo desdenho as coisas que crio antecipando julgamentos alheios. Apago-o assim como quem dissipa ideias tolas numa mente fertil.
Revela-se por baixo a imagem de um moribundo descarnado a me fitar. Aquele sou eu. Barba espessa de semanas infindaveis. Brilho fugaz de consciência na iris. Nenhum sinal de sabedoria, de potencia sexual e muito menos status.
Falta de higiene, desleixo.
Ergo as sobrancelhas o maximo que posso. Mostro a lingua. Caretas sem nexo. Musculos do rosto retorcidos numa dança pueril.
Não sou hippie. Maconheiros de merda. Tão aturdidos em seu ninho caotico de filosofias emprestadas. Uma miscelânea confusa, cinzenta e amorfa de ideias que rasteja num caminho sem rumo. Visão embaciada pela fumaça. Socialismo anarquista de mãos dadas com o hinduismo. Passear por campos de guerra com um sorriso trêmulo. Flâmulas da paz sujas de sangue. Terminam engolidos por um sistema intrinseco que cunha a pele. Escravos da sociedade e seus valores tradicionais num enorme rebanho. O mundo nada tem de bonito. Poeira numa imensidão de materia escura que ninguem compreende.
Amor. Truque ardiloso da natureza pra enganar a si mesma. Somos escoria num universo em expansão. Infinito. Que consciência forjada é essa em que existo?
A violencia vos libertará.
Um pensamento que reverbera vindo sabe-se la de onde. Toca um sino numa furia de ranger de dentes.
Olhos opacos fundos e cansados nas orbitas. Sinais de uma velhice antecipada. Personagem obscuro de uma historia em quadrinhos cult. Sou eu.
Nada me interessa. A loucura preenche os espaços vazios.
Quando dou por mim estou fazendo uma careta idiota pra mim mesmo. Apaga-se a faisca de uma percepção que se ausenta cada dia mais. O titere suspenso por fios invisiveis.
Vivo da boa vontade dos meus pais que me suportam.
Por obrigação genetica. Afinal não sou eu a continuidade de sua finita existência? Segue-se a logica da reprodução maciça que permeia a Terra.
Alvorada de uma verdade que me coça a carne. Prurido. Febre terçã. Insônia. Angustia de morte.
Sento-me a mesa quando todos ja sairam. Estrangeiro dentro da casa em que nasci. Inseto preso na claustrofobia de seu casulo tênue. Temeroso.
Obeservo aquelas coisas todas ali dispersas a minha frente como se enxergasse o sobrenatural. Talheres, xicaras, açucareiro, pães, queijo e presunto. Café, suco de laranja. Um maço de Marlboro e um cinzero repleto de cinzas e bitucas esmagadas.
Ladrão cheio de macula num altar com oferendas santas.
Levanto-me sem tocar em nada.
No cubiculo hermetico que é meu quarto abro o guarda roupas. Olho para aquelas camisetas todas ali em seus cabides, dispostas como pedaços de carne penduradas em um frigorifico. Perco ali alguns minutos indeciso.
Melhor por uma musica.
Sobre a escrivaninha um maço de Free. Acendo um cigarro sem muita convicção.
Engenhosidade moderna me permite ter milhares de discos numa especie de jukebox. Sim.
Meu computador é uma jukebox mesclada a uma máquina de escrever. Nada da idiotice dispensada aos sites de relacionamentos. Emprego meu tempo entre escrever resenhas sobre o que mais gosto(fazendo exatamente o que gosto) e as mesas de sinuca do boteco.
Musica.
Minha paixão. Sem ouvidos eu não teria vida.
Nietzsche disse corretamente: "Sem a música, a vida seria um erro."


"In my dreams I'm dying all the time
As I wake its kaleidoscopic mind
I never meant to hurt you
I never meant to lie
So this is goodbye
This is goodbye

Tell the truth you never wanted me
Tell me"

(Moby - porcelain)

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